sábado, 1 de agosto de 2009

O GRAMÁTICO, O LINGUISTA E O PROFESSOR DE LINGUA PORTUGUESA: CONFLITOS?

O ensino de língua portuguesa na escola, ao mesmo tempo em que vem sofrendo mudanças muito significativas em função da aplicação de várias idéias apresentadas nos PCNs, tem também apresentado uma problemática que pode estar levando os professores a um conflito de opiniões que, se bem analisado, não há razão de existir.

Desde que a linguística chegou ao Brasil, os docentes têm se dividido e se baseado em dois grupos fundamentais: os tradicionalistas e os lingüistas.

O fato é que ambos têm o mesmo objeto de estudo e trabalho, porém, com objetivos completamente diferentes. O tradicionalista, que trabalha com a gramática normativa, se posiciona nas regras que são ditadas por ela. O lingüista se posiciona no uso da língua, que muitas vezes é diferenciado à que se usa na escola (que é a língua da própria gramática normativa). O problema é que a vida possui uma língua, e a escola possui outra.

A língua, como sistema de representação do mundo, possui valores que não podem ser desprezados quando posta em prática. Sua realidade não condiz com a norma, ou vice versa. Por isso, mais do que se ater a esse conflito entre as duas linhas de trabalho, o docente deveria estabelecer melhor seus objetivos e tirar o melhor proveito de ambos os lados. O professor não deve ser um normativo ao extremo, e nem um lingüista ao extremo; deve ser professor, e como tal, aproveitar os recursos e os resultados de ambos para aplicá-los em sala de aula.

Baseado nisso, o docente pode, por exemplo, assimilar a noção de variabilidade e mutabilidade da língua, percebendo que todas elas são válidas (ainda mais se compararmos as duas línguas às que a aluno fica exposto). Da normativa, ele pode absorver a noção que existe uma modalidade que é mais “respeitada” que as demais, que é a norma culta das gramáticas.

Quando o docente realiza essa idéia, ele também pode começar a perceber que a grande questão em sala de aula não é simplesmente de “conteúdo”, mas “objetividade e finalidade”, ou seja, ele pode perceber que a questão dentro de sala não é apenas metodológica ou técnica, mas principalmente filosófica. Deve-se ter em mente todo um respaldo filosófico, sabendo das utilidades práticas e aplicabilidades de que o que vai ensinar será para o mundo, e não apenas para o momento escolar.

Pode-se explicar melhor esta questão de aplicabilidade da língua para o mundo tomando-se por base a teoria do alemão Gotlob Frege (ao contrário de Saussure, o pai da linguística, que separou a língua do sujeito, da história e conseqüentemente do mundo), que trata do Sinal Lingüisticamente Constituído. Para ele, o sentido de um sinal só se especializa num contexto, e este, num cenário.

Para que um sujeito possa chegar a um referente de um sinal, este precisa de um sentido geral, para que possa fazer uma representação do mesmo. Sem a história ao seu redor (um conhecimento de mundo - um cenário), ele não pode ter uma referência real deste sinal. Em outras palavras: a língua é viva; como tal, agrega valores sócio-culturais que não podem ser ignorados em seu ensino, sob o risco de dissociá-la da escola, do mundo e, conseqüentemente , do aluno.

Outro bom exemplo é a idéia de Marcos Bagno, Doutor em Linguística, que compara a língua ao um guarda-roupas: uma imensa variedade de coisas que podem ser usadas em diversas ocasiões diferentes, bastando que estejamos dispostos e prontos para escolher as melhores opções, dependendo de cada momento.

Sendo assim, nada melhor do que trazê-la para a vida (sala de aula), para explicitá-la e viabilizá-la aos alunos.

Em suma, percebe-se que os resultados dessa suposta rivalidade entre normativistas e lingüistas, com uma visão otimista dos professores de língua materna, só podem trazer benefícios para a prática docente, pois traz para estes muito mais possibilidades teóricas e práticas, mas respaldos científicos que, com uma correta aplicação de todas as idéias apresentadas por ambas a facções, traz, para esta prática, maiores condições de aproximar de fato a língua do aluno (da vida) da língua da escola (da gramática).

Com consciência e objetividade, tudo isso pode se reverter em um instrumento precioso e poderoso para aquele que, com a chegada da linguística, pode estar vivendo um conflito de identidade. O conflito então, acaba virando tecnologia de ponta a ser aplicada em sala de aula.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sem perder a educação, deixe seus comentários e opiniões.